domingo, 20 de janeiro de 2013






Alice Pestana recordada na Assembleia da República, no dia 8 de Março de 1988, Dia Internacional da Mulher, pela deputada Lurdes Hespanhol

A Sr.ª Lurdes Hespanhol  (PCP):  - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs. Convidados: Neste dia de alegria, solidariedade e luta de mulheres pela igualdade, pelo pão, pelo trabalho, pela democracia, pela paz, o Parlamento Português, evoca a memória de algumas que, não sendo conhecidas através do estudo da história, fizeram história, ajudaram a fazer a história de um povo e a organizar a força para a sua libertação. Permitam-me, assim, que hoje evoque a figura de uma dessas mulheres que esteve na vanguarda do seu tempo. Trata-se de Alice Evelina Pestana Coelho, conhecida sob o pseudónimo de Caiel. Nasceu em Santarém em 7 de Abril de 1860 e morreu em Madrid em 24 de Dezembro de 1929. Foi uma mulher notável no seu tempo, como escritora mas sobretudo como impulsionadora do processo de afirmação e emancipação da mulher portuguesa, particularmente na defesa do seu direito à educação e participação activa na vida social e política.

Não queria falar dela mas que ela nos falasse, dar-lhe a palavra hoje e aqui é não só fazer justiça, é também aprender uma grande lição e tirar grandes conclusões dos grandes temas do seu interesse - a necessidade da promoção da mulher, o feminino entendido como realização da pessoa, a construção da paz como condição do progresso, a tolerância e o respeito pelas convicções pessoais, a luta contra os preconceitos e as formas de opressão social.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs. Convidados: Em 1890 Caiel falava assim da mulher portuguesa:
"Fisicamente a portuguesa é mais atraente do que bonita. Mas ela tem, em contrapartida, dois soberbos traços de beleza - os cabelos e os olhos. Os seus belos olhos, doces e profundos são quase sempre o espelho de uma alma nobre de sentimentos.
Se não se tivesse feito a história e não fossem conhecidos os feitos sublimes e heróicos de mulheres portuguesas, quem lê afirmações do tipo «a boa, a doce, a simples portuguesa»! Diria que esta seria uma mulher feita para amar e ser amada… É exactamente o maior elogio que eu posso fazer à sua inteligência. Porque, verdadeiramente, para amar muito, no nobre sentido da palavra, e preciso ser intelectual. E ela é-o, naturalmente, a mulher portuguesa. É notavelmente inteligente a minha compatriota. Afirmo-o aqui, não por cortesia, mas por dever de consciência. Com os piores elementos ela faz verdadeiros prodígios. O que é que lhe ensinam? «Bagatelas», quase ou inteiramente inúteis. Não lhe ensinam, quase, a sua própria língua.
Com a sua mesquinha bagagem de conhecimentos é uma verdadeira maravilha como, por vezes, a mulher portuguesa dá provas de bom senso e de perspicácia."
Pode-se facilmente concluir [contínua Alice Pestana] que tudo o que a Nação Portuguesa precisa é de proporcionar às mulheres toda a intelectualidade moderna, interessá-las por todos só factos sociais, para os quais elas têm muito coração mas pouca compreensão, falta de instrução e de desenvolvimento intelectual, apropriado.
Alice Pestana sublinha que, segundo M. Jules Bois nos diz: «Eu coloco acima de tudo, sobre tudo, a liberdade interior adquirida pelo esforço intelectual e moral. Eis a verdadeira razão da emancipação. O resto, como uma planta, vem de ela própria.» Dizia Caiel:
"Para o momento - momento muito sombrio em que todas as forças do meu país, tanto masculinas como femininas, deveriam unir-se num esforço comum e patriótico - ficaria muito contente de ver a mulher portuguesa começar a praticar o seu feminismo, desempenhando o seu papel com a mais forte convicção, o mais vivo ardor, nos gloriosos movimentos dos amigos da paz. Eu, até à última hora da minha vida terei aí o meu modesto lugar."
Alice Pestana foi uma lutadora incansável pela causa da paz, co-fundadora da sociedade altruísta que evoluiu para a Liga Portuguesa da Paz, fundada em 1889, de que foi presidente e no âmbito da qual escreveu numerosos artigos pacifistas. No seu livro "La femme et la paix" transcreve um apelo da Liga às mulheres de todos os países:
"Fazemos apelo às mulheres de todas as nações para a propaganda da ideia do desarmamento internacional, que alguns tratam de utopia, mas que se impõe aos poderes públicos como uma necessidade absoluta. Os interesses materiais de todos os Estados exigem uma solução pronta. A elite intelectual dos pacifistas e os congressos da paz pedem a colaboração das mulheres nesta guerra contra a guerra.
Pedimos o desarmamento internacional em nome da Humanidade, para suprimir os sofrimentos das vítimas de guerra, as lágrimas das mães e das viúvas. Pedimos a criação em cada país de comités de mulheres para a defesa da causa da paz, por forma a que no século XX reine a harmonia que forçosamente terá de passar pela paz, pela liberdade e pela justiça."
Os comités formaram-se e lutaram, os movimentos para a paz multiplicam-se, mas não foi o século XX que nos trouxe um mundo de concórdia e harmonia. As mulheres, sempre presentes nestes movimentos, muito tem feito e organizado para chamar a atenção dos povos para a defesa da paz. Nos tempos actuais, a maioria das mulheres, as mais desiguais entre as desiguais, não quer a guerra. Mas se a maioria das mulheres recusa a guerra, não é porque seja passiva a sua posição na vida. Ela própria, vítima da autoridade, da submissão, da violência, nunca a aceitou ou aceita passivamente, embora a viva desde há milénios. Revelando-se contra este seu estatuto, ela tem estado presente ao longo da história, ao lado da luta pela justiça, pela democracia e pela paz, mesmo quando por vezes a história escrita o não regista.
Nos exércitos clássicos ela não tem normalmente lugar, mas na guerrilha, na luta de resistência, nos exércitos de libertação, nos levantamentos populares elas estão presentes.
Não é mera contradição. Só que aqui, na justiça da causa, elas encontram a força da vida capaz de destruir a ameaça da morte. Por isso, elas estão presentes nos grandes levantamentos populares ligados ao processo de independência e de afirmação da nacionalidade portuguesa. É assim na Revolução Francesa, na Revolução de 1917, na resistência ao nazi-fascismo e em tantas outras. É assim no 25 de Abril l de 1974, a nossa Revolução de Abril, que pôs fim ao fascismo. Nas barricadas e nos locais de perigo, nas searas do Alentejo, nos campos, nas fábricas, nos escritórios e nos laboratórios, as mulheres aderindo a uma causa sensível mobilizam-se pela justiça e pela paz. Declarando-se cidadã, entende provar a sua igualdade cívica na partilha de riscos, comungando do mesmo élan patriótico dos seus companheiros.
É assim quando, como nos tempos actuais, está em risco a sobrevivência da Humanidade face ao perigo de um holocausto nuclear. Por isso, elas estiveram nos anos de 1985, 86 e 87 nas grandes marchas da paz e atravessaram toda a Europa.
Por isso, as mulheres de Greehman Common ocupam durante um ano uma base militar para onde estava prevista a transferência de mísseis de médio alcance. Após várias tentativas para as fazerem abandonar este acampamento, no dia da chegada dos mísseis, unem-se num círculo de mãos dadas à volta da base. São dispersas à coronhada.
Por isso, em Portugal, por todo o País, e nas assembleias, nas marchas, nos acampamentos, no barco da paz em 1984 e no comboio da paz em 1986 as mulheres portuguesas participaram. E participaram porque elas compreendem que a modernidade, o progresso, a estabilidade, a igualdade e o respeito entre os homens não se constrói com a guerra mas com a paz. E Caiel escreve:
"Se as mulheres tivessem tido uma directa e livre influência nos assuntos políticos a nobre e bela questão da paz estaria muito mais avançada do que está na realidade […] Será que é por continuar a ser dificultada, e porque não dizer impossibilitada, esta influência de decisão, que hoje, nos finais do século XX, o problema da paz é talvez mais actual do que quando Alice Pestana nos escreve?
Esta mulher deverá constituir para nós um exemplo, pela sua força de lutar e pela força que nos transmite na luta.
Educada num esquema da classe média tradicional, estuda por sua própria conta e risco matérias não destinadas às raparigas: português, geografia, física, química, história natural. Luta por uma igualdade de oportunidades a nível de ensino, para rapazes e raparigas e, estando em discussão um projecto de ensino secundário feminino, apresentado ao Parlamento pelo Partido Progressista, foi-lhe concedida pelo Governo uma bolsa de dois meses para uma visita de estudo, de que faz um relatório que é publicado no Diário do Governo. Em 1893, faz uma visita de estudo a estabelecimentos de ensino profissional do sexo feminino, de que fez relatório. Estas viagens e os contactos que lhe proporcionaram exerceram profunda influência no seu espírito e aumentaram o interesse pelas questões pedagógicas e sociais.
Casou com um professor espanhol e integrou-se progressivamente no esquema de ensino daquele país. Ensinou em várias instituições, escreveu bastante sobre temas pedagógicos, chamando sempre a atenção para que só a educação e a cultura podem libertar a espécie humana da sede do poder e conduzir os povos para o entendimento internacional, em correlação com os direitos humanos e as liberdades fundamentais sem barreiras étnicas, religiosas, culturais ou sexistas.
Aplausos gerais.

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