sábado, 3 de janeiro de 2015





Para dois bons amigos - João Esteves e Amadeu Gonçalves - com abraços apertados e gratos !


Homenagem a uma Professora

A CAPITAL
3 de Janeiro de 1915


 
Na sede da Comissão Humanitária do Castelo realizou-se hoje a festa de homenagem à professora da escola Sra. D. Ermelinda Gonçalves Ferreira, que há 4 anos lecciona gratuitamente as crianças daquela escola.
Pelas 14 horas, saíram da sede da Comissão as crianças com o seu estandarte, acompanhadas da direcção e delegados da Associação dos Empregados da Exploração do Porto de Lisboa, Troupe de Bandolinistas 5 de Outubro, com o seu estandarte, e muito povo, dirigindo-se à porta principal do Castelo de S. Jorge, onde as aguardava o Sr. Dr. Bernardino Machado, saindo dali para a casa da professora e acompanhando-a depois até à sede da Comissão, onde ia realizar-se a sessão solene.
Durante o trajecto, foi o Sr. Dr. Bernardino Machado muito ovacionado, sendo das janelas lançadas flores.
Na sede da Comissão, cujas salas estavam engalanadas, o sr. Ivo Pereira abriu a sessão, fazendo o elogio da homenageada e inaugurando-se o seu retrato, que se encontrava coberto com a bandeira nacional e envolto em flores, tocando a troupe de bandolinistas a Portuguesa, por entre vivas e palmas.
Convidado a presidir o Sr. Dr. Carneiro de Moura, este por seu turno convidou a assumir a presidência o Sr. Dr. Bernardino Machado, que se fez secretariar pela sr. D. Ana de Castro Osório e pelo Sr. Dr. Carneiro de Moura.
O Sr. António Vitorino da Conceição fez o elogio da professora, aconselhando as crianças a seguirem sempre os seus conselhos e o seu exemplo.
O Sr. Cassiano Ferreira agradeceu em nome de sua esposa a manifestação, dizendo que ela apenas cumpriu o seu dever.
A Sra. D. Ana de Castro Osório diz que é para ela uma satisfação o assistir a uma festa que tem por fim fazer justiça a uma senhora. Fala sobre a dedicação da mulher e o desprezo a que pelos homens tem sido votada. A educação de um povo está dependente da mulher, que desde o berço forma o carácter das crianças. Apresenta a homenageada como um modelo das educadoras que preparam a futura geração portuguesa.
O  Sr. Dr. Carneiro de Moura, que começa a falar quando as crianças entregam à sua professora ramos de flores, refere-se ao que está presenciando e ao discurso da sr. D. Ana de Castro Osório fazendo uma resenha do papel da mulher desde o tempo dos romanos e termina por saudar a homenageada.

 
O Sr. Dr. Bernardino Machado entende que tudo está dito para que aquela simpática consagração tivesse todo o realce. Revê ali os seus tempos de propaganda, de que tem saudades, embora, apesar de tudo, não os trocasse pela época actual, que a República dignifica. Mas desejaria que existisse hoje a mesma fervorosa solidariedade desses tempos, em que todos se uniam e em que a República era uma aurora de esperanças palpitantes para todos. Tem sido sempre feminista, pois que a sua política é a da cordialidade, e essa ninguém a pode praticar melhor do que as mulheres.
Não precisam ter voto legal para isso, e a prova está na homenageada, que é a eleita de todos que ali se encontram.
A colaboração da mulher em toda a vida pública seria proveitosa porque a lição da delicadeza social ninguém melhor que ela a pode dar. A grosseria dos homens é a causa do encarniçamento de todas as lutas. A política cortês, que é sempre tão necessária, ninguém a pode exemplificar melhor do que a mulher.
Falou-se aqui das dissensões partidárias, mas a República não são só os partidos: é todo o povo português; são também as mulheres, que querem, zelosamente, tanto como os homens, a Nação independente e livre.
A República que nós erigimos durará enquanto durar o povo português, mas é indispensável para isso que o povo intervenha devotadamente na vida pública.
O ingresso da mulher em todos os serviços ao lado do homem, conquistando a sua acção política não por concessão ou deferência do homem, mas por direito próprio, será um facto num futuro não muito distante. E oxalá que, neste momento, que atravessamos, em que todos sentem no coração vibrar a paixão patriótica, a sua acção generosa se exerça sobre os poderes públicos.
Com comoção se refere à sorte da nossa Nação na actual guerra europeia. Tem-se falado, diz, de oferecimentos do Governo português e de pedidos ou solicitação do Governo inglês. Tais palavras são menos próprias. Quando duas nações se ligam por uma aliança tão íntima, como Portugal e Inglaterra, nenhuma delas precisa de pedir ou de oferecer nada à outra; solidárias entre si, contam absolutamente com o seu concurso mútuo e apenas têm de concertar em cada lance da sua vida internacional o momento e a forma de se realizar esse concurso.
Agora, sejam quais forem os acidentes da guerra, tem inabalável fé de que ela se há-de concluir vitoriosamente para a liberdade e o progresso dos povos, e com honra e enaltecimento para a nossa nacionalidade. A seguir o orador encerra a sessão, levantando vivas á República, que foram entusiasticamente aplaudidos.

 

 

 


 

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